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terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Fanatísmo Ateu - Um Debate

No meu último post sobre religião intitulado "Fanatismo Ateu" eu falei sobre a acusação que eu recebi de ser um "fanático" ateu. O meu grande amigo  João Colombo respondeu com o texto abaixo:

Primeiro, não há nada de lógico no ateísmo: qualquer resposta que tentares encontrar para a origem das coisas vão te levar a outras perguntas que vão te levar a pensar num ser supremo, causa primeira de tudo - isso é Deus, esqueça o ser mitológico criado pelo homem. A maioria dos físicos quânticos já reconhece isso, entre tantos cientistas, o que é apenas um derivado da filosofia clássica, de Sócrates e Platão (novamente lhe falo da lógica filosófica, que tu ainda não conseguiu entender).



Segundo, já que gostas de citar o Aurélio, procure entender a origem da palavra religião e verá o quão positivo é seu sentido no mundo. Mais uma vez vou te dizer isso: Não confunda religião com instituição religiosa.


Terceiro, teus argumentos estão ficando perigosos, beirando o fanatismo, sim; Tenha mais cuidado ao dizer que os ensinamentos de Jesus são imorais. Não confunda a mensagem do Cristo com a da igreja católica, nem sempre são a mesma coisa. A mensagem do Cristo se resume em uma só coisa, "amar". "Fora da caridade não há salvação", significa que não precisa estar atrelado a qualquer instituição ou ideologia, mas à ação de fazer o bem; de evoluir moralmente, enquanto evoluímos intelectualmente. Alguém dizer isso quando o mundo vivia numa barbárie ainda maior que hoje me parece algo bem positivo.


Nem todo cristão é contra a evolução das coisas. Pelo contrário, a evolução é uma lei universal e acreditar ou não em Deus, não vai mudar isso.

Eu achei válida a argumentação e segue as minhas respostas abaixo:

Vamos por partes.

Primeiro eu já esqueci o ser mitológico criado pelo homem. Mas a sina de todo ateu é ter que reconsiderar cada argumento obviamente falso para não poder ser chamado de fanático e isso infelizmente me obriga a considerar o Deus fabricado da Bíblia. Obviamente eu considero ele tão real quanto o Deus primordial que você apresenta. Agora vamos considerar a parte referente aos cientistas quânticos e a afirmação de que "qualquer resposta que tentares encontrar para a origem das coisas vão te levar a outras perguntas que vão te levar a pensar num ser supremo, causa primeira de tudo - isso é Deus".



Eu devo salientar que ao consultar novamente o Aurélio eu não quero entrar em um jogo de semântica, ainda que o mesmo me favoreça. Mas devo fazer para demonstrar meu ponto. O dicionário Aurélio diz: "religião: crença na existência de força ou forças sobrenaturais. Manifestação de tal crença pela doutrina e ritual próprios, devoção." Me desculpe mas eu não vejo o mérito ou qualidade em nenhuma das palavras que definem o conceito.

Referente a afirmação sobre os fisicos quânticos, eu já estava ciente da tentativa de "provar" Deus mas como Ken Wilber definiu em seu livro "Questões Quânticas" isso não passa de má física (ou estudo da mesma) e misticismo preguiçoso. Ele cita os estudos originais dos 13 fundadores mais importantes da física quântica moderna e relativística, para explorar seu entendimento da relação entre a física e o misticismo. Sem exceção, cada um deles acreditava que a física moderna não prova realidades espirituais de qualquer maneira. E cada um deles acreditava em religião, e não por causa da física, mas apesar dela. Ao explorarem os limites exteriores da suas próprias disciplinas, eles se encontraram frente a frente com as realidades que a física categoricamente não podia explicar. Isso é algo comum na física quântica. Atribuir isso a um Deus é uma questão de opinião. E isso eu posso respeitar, apesar de discordar profundamente. Mas não podemos nos cegar para o perigo de rotular algo completamente indefinido como "Deus". E ainda que eu respeite o direito individual de qualquer pessoa tomar isso como uma evidência da possibilidade da existência de um Deus a palavra religião não encontra qualquer respaldo nesse sentido.

O problema aqui começa na falácia de que sempre que tentarmos encontrar uma resposta para a origem das coisas isso vai acabar nos levando a essa causa primeira de todas as coisas. Com Stephen Hawkins muito bem definiu: "A questão é: a maneira como o universo começou foi escolhida por Deus, por razões que não podemos compreender, ou foi determinada por uma lei da ciência? Eu acredito que o segundo". Ele acrescenta: "Porque há uma lei como a gravidade, o Universo pode e vai criar a si mesmo do nada".



De qualquer forma o tipo de argumento que você utiliza é rebatido pelo princípio filosófico de Dawkins que diz que tudo aquilo que é criado parte de algo mais complexo que demanda uma explicação ainda mais complexa, ou seja, uma lança nunca vai fabricar uma "máquina de fazer lanças". Um Deus incrivelmente complexo, criador de tudo, simplesmente precisa de uma explicação ainda mais complexa. Caso contrário ficaremos eternamente postulando a questão: "Quem criou o criador?" E eu não posso deixar de notar que esse tipo de explicação para justificar a existência de um Deus, me parece derivativa do sempre presente, e incorreto quando aplicado a essa questão, princípio lógico da "Navalha de Occam".

Entretanto das suas afirmações dessa primeira parte eu não posso deixar de notar uma que surpreendentemente me parece mais simpática à versão lógica da natureza da fé e religião. "Não há nada de lógico no ateísmo". Evidententemente eu discordo de você e já citei os exemplos acima, mas de fato eu considero que há uma verdade adormecida nessa frase que me leva de encontro ao que é mais habilmente defendido pelo Derek. Não podemos saber que Deus não existe. Pelo menos nossa ignorância nessa questão é tão grande quanto qualquer outra figura mitológica. Não podemos dizer que definitivamente não há o Papai Noel, ou Thor, ou o "Monstro do Spaghetti Voador (ainda mais se atribuirmos a ele a capacidade de ser eterno, invísivel e onipresente). O que podemos dizer é que ninguém tem certeza também, mas o que faz a diferença é que não há motivos para acreditarmos que há um Deus. Como Sócrates definiu: "eu não sei ao certo sobre a morte e sobre os deuses, mas eu estou tão certo quanto posso estar de que você também não sabe". Ainda que eu considere que nenhum dos lados da discussão possa ter 100% de certeza eu não considero que ambos tenham a mesma chance de estar certos. Mas certamente eu sei apreciar o valor da frase, e o que me permite isso é, como eu disse antes, meu compromisso com as evidências e com a lógica (ou falta de no caso da religião) que me permitem apreciar os argumentos e incidentalmente flutuar para o lado do ateísmo ao invés de me posicionar em defesa dos improváveis, e infelizmente potencialmente perigosos, caminhos da crença e do agnosticismo. Embora eu deva reconhecer que em um mundo ideal eu seria agnóstico, mas em um mundo ideal acreditar ou não em um deus não traria quaisquer consequências à sociedade.

Cabem dois reconhecimentos aqui. Primeiro de fato eu não estou familiarizado com o conceito de "lógica filosófica" se você for gentil o suficiente para me esclarecer a respeito eu poderia responder, e te conhecendo eu sei que não haverá problemas nessa possibilidade. Segundo eu não acredito que nossas visões de religião dentro do aspecto dos seus dois primeiros argumentos sejam conflitantes. Basicamente porque mesmo mantendo que as religiões são intrinsicamente prejudiciais a humanidade na nossa condição atual eu não considero o seu conceito como religião. E por outro, se eu não me engano, você também considera o que eu chamo vulgarmente de religião de instituição religiosa. Aqui sim a semântica faz a sua parte e nos faz vislumbrar a visão do outro, ou pelo menos assim eu gostaria de acreditar.



Porém infelizmente há um terceiro argumento que trai a minha idéia, um pouco utópica, de entendimento. Eu não entendo como os meus argumentos estão ficando "perigosos". Eles estão ameaçando alguém? Eles estão perdendo o contato com a realidade? E o que me deixa mais perplexo é a explicação para que meus argumentos tenham se tornado perigosos: eu devo ter mais cuidado ao dizer que os ensinamentos de Jesus são imorais! Ora vamos esquecer por um minuto que eu acabao de ser transportado para as obras de Orwel e Kafka e fui ameaçado pelo crime de pensamento. Vamos apenas considerar que classificar um pensamento crítico como perigoso é a própria natureza de um regime totalitarista e fascista. E o porque eles são considerados perigosos? Por que sim. Eu não cometo o erro de confundir os ensinamentos de Cristo com a Igreja Católica. Atacar a Igreja Católica é tão devastador que mesmo o mais inapto dos ateus se sente desmotivado a argumentar com alguém que defende a Igreja Católica tamanha é a quantidade de argumentos contra essa instituição. Agora como separar a Igreja Católica dos ensinamentos de Jesus. Por interesse de argumento eu vou considerar que você estaria utilizando a Bíblia (caso eu esteja equivocado por favor me diga qual a fonte correta) para evidenciar a mensagem de Jesus, devidamente separada de qualquer doutrina que poderia subvêrte-la. Uma versão inalterada do que Jesus pretendia digamos assim. Ainda que eu considere isso impossível dada a natureza dos autores da Bíblia, eu estou disposto a conceder o benefício da dúvida em benefício do argumento. Então aqui estamos nós com a mensagem "original" de Cristo. Na minha concepção vários dos ensinamentos dele são, como eu disse, não apensa amorais e completamente impráticaveis em uma sociedade justa e moderna, mas também imorais. Entre eles eu citaria: o conceito de pecado, redenção, responsabilidade, o amor compulsivo, livre arbítrio unilateral. Todos esses são conceitos presentes na mensagem original de Jesus, que se analisados sob qualquer outra roupagem que não a religiosa seriam considerados imorais. Eu simplesmente acredito que eles não merecem ser analisados por uma ótica diferente do que qualquer outro ensinamento porque lhes é atribuida uma origem divina.

O que mais me choca é a possibilidade de identificar essa posição como fanática, sem a necessidade de debater esse argumentos individuais, mas sim apenas evidenciando que eles fazem parte da mensagem de Jesus Cristo. Eu não digo que eu tenho absoluta razão no que eu argumento sobre os ensinamentos de Jesus, Eu apenas acho que a única maneira de eles serem rebatidos é analisando-os individualmente e não pela sua autoria.

É engraçada a contra-posição da lógica na sua argumentação, pois você cria argumentos válidos, com preposições coerentes porém essas conclusões são erradas pois não pertencem a religião. Eu concordo com você que devemos evoluir moralmente e intelectualmente. Eu apenas gostaria de ver em qual passagem Cristo nos ensina isso.

Por fim eu gostaria de agradecer ao João Colombo por se dignar a responder. Eu sempre aprecio as suas opiniões e a oportunidade de debate-las. O mesmo se extende ao Derek Moreira. Eu acredito que essa tríade formada por um ateu, um agnóstico, e um crente representa a maioria dos meus leitores (afinal qual outra opção resta?) e esse tipo de debate só pode nos levar para um entendimento melhor.

Grande abraço.

Por fim temos a resposta do Derek:

Resolvi voltar do meu "oásis agnóstico" (não recomendo!) para algumas colocações.



Primeiramente meu comentário sobre o teu fanatismo surgiu pelo primeiro motivo (não entediar nossos demais amigos) e não pelo segundo (te achar uma criatura de mente fechada).


A questão é que o João levantou ai uma coisa interessante, que já notei por diversas vezes na tua argumentação, e que isso sim é de praxe em qualquer retórica fanática: desenvolver e expandir o seu argumento, enquanto restringe e limita os dos demais. Deus não é só o da igreja católica. Isso por si só é um grande dado. Existindo a figura de Deus em outras religiões e doutrinas por si só já afirma isso. Restringir Deus a visão católica e/ou protestante é negligência, que prefiro acreditar que tu não cometa de forma consciente, e sim por ser o nosso exemplo mais “cotidiano”. Deus é em essência um ser de poder incomparável que criou todas as coisas. Isso para qualquer religião ou visão. Só. O que os homens incluíram em sua “lenda” não é de Sua autoridade. O que os homens dizem que é Sua vontade ou Suas leias não são Dele, e sim do homem. Crer em Deus é só crer que um ser criou tudo que existe, e não o acaso. Se qualquer maluco acha que subiu no morro e Deus entregou para ele umas pedras com “textos divinos” é OUTRA história. Bom, ai sim vamos as doutrinas que tentam então nos aproximar Dele. As doutrinas, tanto religiosas quanto de qualquer outra natureza, são muito perigosas, pelo simples fato que todas ditam o que é certo e o que é errado, impondo assim sua vontade sobre os demais e ao afirmar o que é certo, automaticamente reduz todos os demais a erros. Tudo que é imposto envolve poder. Tudo que envolve poder tem grande potencial construtivo e destrutivo. Acreditar em Deus não envolve necessariamente ter uma postura ativa diante disso. Creditar a Deus as calamidades que grupos religiosos cometeram em Seu nome não é válido. A humanidade já se mostrou, em diversas ocasiões, ser intolerante e violenta a tudo que é diferente, não apenas no campo religioso. Concordo sim que as religiões já causaram muitas destruições, mas também nos ajudaram a construir outras tantas (já expliquei isso exaustivamente em outro lugar aqui no blog) como muitas das expressões humanas. Porque a religião nada mais é do que uma expressão humana. Dizer que hoje existem leis é um argumento falho, pois TODAS ELAS se originaram de doutrinas religiosas, pois até mesmo o que o estado laico considera certo e errado veio delas. É importante, contudo, separar definitivamente duas coisas: deus e religião. Podemos sim acreditar em Deus em não seguir a nenhuma doutrina. O oposto obviamente não. Ser ateu e dizer que Deus é ruim por causa de algumas religiões é tão leviano e malicioso quanto dizer que alguém cometeu algum crime porque era ateu e “não tinha Deus no coração”. Acreditar em deus é acreditar em algum grande plano, em alguma lei ou ordem das coisas, e não que a vida é um emaranhado caótico de encontros e acontecimentos, surgidos de um acidente evolutivo. Eu, claro, queria ter algumas dessas duas certezas comigo...



Um comentário:

  1. Tentarei ser mais breve dessa vez:
    Primeiro: Eu sugeri que buscasse a "origem da palavra religião", não o seu sentido no dicionário, que é falho. Religião vem do latim 'religare' e significa tão somente "religar". O homem ao longo do tempo atribui o sentido de se ligar à divindade, mas na antiguidade, tinha o sentido mais amplo de uma conexão com outros seres (animais, plantas e pessoas) Nesse contexto, a palavra religião por si só é algo muito positivo.

    Segundo: Peço cuidado ao me chamar de crente, pois hoje em dia isso denota alguém que crê cegamente numa fé qualquer. Sou muito mais cético do que imaginas, pois, pelo contrário, duvido de tudo, antes de assumir algum discurso. Como costumo dizer, minha fé em Deus, independe de dogmas.

    Terceiro: A lógica filosófica se distingue da lógica comum. Ela não se baseia em tecnismos, medições ou números, como a lógica matemática, ela preenche, através da 'dedução' aquilo que a ciência não responde, pois o universo é muito mais do que aquilo que vemos.

    Quarto: quanto a saber quando Jesus falou de evolução... bem, eu diria que em todas as passagens, mas partamos da sua mensagem maior "Ama o próximo como a ti mesmo". Nesse ponto o Cristo quebra o paradigma do "olho por olho" e diz que não devemos apenas "não fazer mal", mas que devemos evoluir e "fazer o bem". 'Não fazer o mal' e 'fazer o bem', são coisas bem distintas. Jesus falava por parábolas para que sua mensagem pudesse ser entendida em todos os tempos e porque sabia que, naquela época, que nem todos compreenderiam sua mensagem. Uma de suas frases que dá mais uma ideia da questão da evolução, para teres ideia é "Nem só de pão vive o homem", ou seja, não basta alimentar o corpo (se focar nas coisas materiais), é necessário alimentar o espírito também (adquirir cultura, conhecimento). Meu amigo, sugiro que, mais do que ler a bíblia, estude-a, em seu contexto histórico, além de ler mais de Sócrates e Platão, de onde está a maior bagagem cristã, além de outros filósofos... Nossa vida é uma dualidade de três coisas: Corpo e mente trabalham para compreendermos filosofia, religião e ciência; e essas três coisas não podem ser desassociadas.

    Quinto: quanto ao debate sobre o fanatismo ateu, é perigoso você acusar de imoral aquilo que a muitos pessoas tem como modelo mais perfeito de moralidade, não só o Cristo, mas qualquer outro líder religioso. Não é apenas um pensamento crítico, pois não foi fundamentado e é necessário. Portanto, peço que diga onde, nesses conceitos, está a imoralidade do Cristo para qualquer modelo de sociedade, moderna ou antiga (o conceito de pecado, redenção, responsabilidade, o amor compulsivo, livre arbítrio unilateral.) e onde o Cristo cometeu este deslize? Para uma crítica à sua postura são necessários fundamentos, senão, tornam-se apenas argumentos vazios.

    Meu caro amigo Vinício, espero que mais do que simplesmente cavar por argumentos a fim de refutar a mim e ao Derek, reflita profundamente sobre cada vírgula. Não quero converter ninguém a nada, mas algumas coisas são mais simples do que parecem.

    Forte Abraço.

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