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quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Ateu X Crente X Agnóstico


Eu continuo sendo honrado com a presença de meus caros amigos Derek Scheifler e João Colombo em nossa aparentemente interminável discussão sobre religião. Nos dois últimos posts nos quais tratamos disso (Fanatísmo Ateu e Fanatísmo Ateu: Um Debate) eu recebi respostas de ambos sobre as questões levantadas e me apresento para mais uma réplica.

Primeiro o argumento do Derek:

Resolvi voltar do meu "oásis agnóstico" (não recomendo!) para algumas colocações.

Primeiramente meu comentário sobre o teu fanatismo surgiu pelo primeiro motivo (não entediar nossos demais amigos) e não pelo segundo (te achar uma criatura de mente fechada).

A questão é que o João levantou ai uma coisa interessante, que já notei por diversas vezes na tua argumentação, e que isso sim é de praxe em qualquer retórica fanática: desenvolver e expandir o seu argumento, enquanto restringe e limita os dos demais. Deus não é só o da igreja católica. Isso por si só é um grande dado. Existindo a figura de Deus em outras religiões e doutrinas por si só já afirma isso. Restringir Deus a visão católica e/ou protestante é negligência, que prefiro acreditar que tu não cometa de forma consciente, e sim por ser o nosso exemplo mais “cotidiano”. Deus é em essência um ser de poder incomparável que criou todas as coisas. Isso para qualquer religião ou visão. Só. O que os homens incluíram em sua “lenda” não é de Sua autoridade. O que os homens dizem que é Sua vontade ou Suas leis não são Dele, e sim do homem. Crer em Deus é só crer que um ser criou tudo que existe, e não o acaso. Se qualquer maluco acha que subiu no morro e Deus entregou para ele umas pedras com “textos divinos” é OUTRA história. Bom, ai sim vamos as doutrinas que tentam então nos aproximar Dele. As doutrinas, tanto religiosas quanto de qualquer outra natureza, são muito perigosas, pelo simples fato que todas ditam o que é certo e o que é errado, impondo assim sua vontade sobre os demais e ao afirmar o que é certo, automaticamente reduz todos os demais a erros. Tudo que é imposto envolve poder. Tudo que envolve poder tem grande potencial construtivo e destrutivo. Acreditar em Deus não envolve necessariamente ter uma postura ativa diante disso. Creditar a Deus as calamidades que grupos religiosos cometeram em Seu nome não é válido. A humanidade já se mostrou, em diversas ocasiões, ser intolerante e violenta a tudo que é diferente, não apenas no campo religioso. Concordo sim que as religiões já causaram muitas destruições, mas também nos ajudaram a construir outras tantas (já expliquei isso exaustivamente em outro lugar aqui no blog) como muitas das expressões humanas. Porque a religião nada mais é do que uma expressão humana. Dizer que hoje existem leis é um argumento falho, pois TODAS ELAS se originaram de doutrinas religiosas, pois até mesmo o que o estado laico considera certo e errado veio delas. É importante, contudo, separar definitivamente duas coisas: deus e religião. Podemos sim acreditar em Deus em não seguir a nenhuma doutrina. O oposto obviamente não. Ser ateu e dizer que Deus é ruim por causa de algumas religiões é tão leviano e malicioso quanto dizer que alguém cometeu algum crime porque era ateu e “não tinha Deus no coração”. Acreditar em deus é acreditar em algum grande plano, em alguma lei ou ordem das coisas, e não que a vida é um emaranhado caótico de encontros e acontecimentos, surgidos de um acidente evolutivo. Eu, claro, queria ter algumas dessas duas certezas comigo...

Primeiro eu concordo com várias coisas que você falou e discordo de apenas algumas.
Talvez seja um mau planejamento meu, mas eu considero que o desenvolvimento e expansão do meu argumento é compátivel com o espaço que cedo ao desenvolvimento e expansão do argumento de vocês (ou de qualquer outro colaborador que venha a se manifestar).  Eu entendo que você está mencionando o conteúdo e racionalização da minha própria retórica. Mas se há falhas ou incoerências nela, provocadas por falta de espaço que eu mesmo cedo na contra-argumentação das minhas idéias, isso é algo que eu adoraria que vocês continuassem apontando, afinal eu não me furto das mesmas ações quando eu respondo o argumento de vocês.
Quando você considera que eu limito a minha discussão ao Deus da igreja católica/ e ou protestante de forma inconsciente eu posso assegurar que esse não é o caso. Eu escolho partir desse princípio, justamente por ser o nosso exemplo mais cotidiano, e por partilhar extremas semelhanças com o Deus judaico e islâmico, porém a minha  questão contra a religião (ou instituição religiosa como o João gostaria que eu chamasse) é que eu nunca conheci nenhuma religião que causasse qualquer tipo de benefício sem trazer estragos muito maiores. Mas o ponto mais básico da questão é que pesar o bem ou mal causado por uma instituição não conclui ou atesta a veracidade da mesma. Então além da minha indignação com os maus causados pela religião, há a questão do óbvio embuste religioso, mesmo quando a religião é utilizada com boas intenções o seu resultado é torpe e prejudicial. Eu reconheço que diferentes tipos de religião tem tipos de defeitos práticos diferentes (ainda que possivelmente derivados dos mesmo erros) e que uma acusação feita contra os preceitos católicos não se aplica direta ou necessariamente aos budistas, ou muçulmanos. Novamente eu reforço que por questão de espaço eu não cito essas religiões aqui (ainda que com o tempo eu pretenda retomar o assunto).

Depois disso vem algumas frases sobre digamos, algumas características universais de Deus. E eu concordo que todos que acreditam em Deus concordam com essas características.

"O que os homens incluíram em sua “lenda” não é de Sua autoridade."
Hum, eu não tentaria levar Deus a um tribunal caso seja isso que vocês estejam pensando. Como eu já disse anteriormente eu não julgo Deus. Até porque eu não acredito em Deus. Mas há um looping lógico que é apresentado na idéia de vocês que eu, infelizmente, sou obrigado a acreditar tem a função de tornar mais difícil contrariar a idéia. O Deus que você me apresente é o Deus que não tem nenhuma ligação com textos sagrados e portanto doutrinas. Um Deus "Einsteinano" ou "ideológico" como já foi chamado. Esse Deus preenche a mesma lacuna que "mistério" ou "ainda não identificado" ocuparia. Como eu disse aqui tudo vira semântica e eu não tenho nada contra esse "Deus". Stephen Hawkins diz que a Física Quântica pode "ler a mente de Deus" e é ateu. Acho que fica claro aqui que esse "Deus" não me oferece nenhum perigo pois ele não oferece a nenhum dos seus crentes caminhos para preconceito ou intolerância. Essas pessoas podem cometer esses atos mas daí eles claramente não foram influenciados pela doutrina religiosa. Eu não tenho e jamais terei nada contra esse tipo de Deus, se tanto o próprio motivo de chamar isso de Deus, mas nada mais. Porém como eu disse antes essa definição não encontra nenhum respaldo dentro do conceito de Religião, que é o que eu realmente sou contra. E aqui eu não posso deixar de já me adiantar e responder ao João sobre a origem da palavra religião. Realmente a etmologia da palavra é inegavelmente muito mais interessante do que a sua definição atual (ainda que eu não a considere completamente inofensiva), mas eu estou falando de doutrina religiosa. Visando um texto mais abrangente eu me permito a utilização da palavra religião para definir isso. E eu acredito, infelizmente, que 99,9% das pessoas compreendem que quando eu critico a religião eu estou criticando a doutrina religiosa seja ela qual for.

Bom, voltando ao Derek, depois de esclarecermos sobre qual Deus estamos falando eu concordo com as opiniões de que o Deus "Einsteinano" não pode ser considerado culpado pelos atos cometidos em seu nome. Bom, aqui reside o problema. De fato, nenhum "ato" é cometido em nome desse Deus, pois para ele simplesmente não existem doutrinas. Nem ao menos o caráter benigno pode lhe ser atribuído. Esse Deus se torna portanto irrelevante para a nossa discussão. O único Deus que me interessa é o Deus das escrituras, o deus da religião.
Quanto ao argumento de que todas as leis (que acabam por definir o certo e o errado) vieram de doutrinas religiosas, o que certamente é discutível pois aspectos básicos e inerentes ao ser humano como a sobrevivência, são observados por essas leis e contundentemente precedem qualquer tipo de religião, ou mesmo aspectos modernos previstos em leis como o direito a privacidade (presente na constituição) e que não encontra qualquer respaldo em qualquer aspecto religioso. Mas mesmo que esse fosse o caso esse argumento seria inadmissível pois mesmo as leis (originadas de constumes) que tiveram origens religiosas foram ponderadas sob outros aspectos e a maior prova disso é que algumas sobreviveram a esse escrutínio e outras simplesmente foram abandonadas.

Ser ateu e dizer que Deus é ruim por causa de algumas religiões é tão leviano e malicioso quanto dizer que alguém cometeu algum crime porque era ateu e “não tinha Deus no coração”.
Eu não tenho o que discordar da frase acima, mas apenas para ter certeza de que não há uma implicação desnecessária do meu posicionamento na conotação dela eu gostaria de salientar que isso não representa o que eu defendo, que sendo o que é eu admito pode descuidadamente ser confundida com a frase acima.
Primeiro por que existem dois "Deuses" nessa discussão. Um que eu chamo de Deus "Einsteinano" e que realmente não se aplica na questão e outro o Deus (principalmente o da Bíblia, mas eu reforço que existem outros diversos exemplos) das religiões. Esse segundo Deus, não é ruim simplesmente porque seus seguidores fazer coisas ruins, ele é ruim porque seus seguidores fazem coisas horríveis respondendo aos entendimentos desse Deus e eu não estou falando aqui dos maus intencionados que deturpam a suposta mensagem desse Deus, eu estou falando da mensagem original, inalterada por interpretações subjetivas, eu estou falando do óbvio, (também mas não somente) das ordens diretas de Deus e Jesus na Bíblia. 

Vamos a resposta do João:

Tentarei ser mais breve dessa vez:

Primeiro: Eu sugeri que buscasse a "origem da palavra religião", não o seu sentido no dicionário, que é falho. Religião vem do latim 'religare' e significa tão somente "religar". O homem ao longo do tempo atribui o sentido de se ligar à divindade, mas na antiguidade, tinha o sentido mais amplo de uma conexão com outros seres (animais, plantas e pessoas) Nesse contexto, a palavra religião por si só é algo muito positivo.

Segundo: Peço cuidado ao me chamar de crente, pois hoje em dia isso denota alguém que crê cegamente numa fé qualquer. Sou muito mais cético do que imaginas, pois, pelo contrário, duvido de tudo, antes de assumir algum discurso. Como costumo dizer, minha fé em Deus, independe de dogmas.

Terceiro: A lógica filosófica se distingue da lógica comum. Ela não se baseia em tecnismos, medições ou números, como a lógica matemática, ela preenche, através da 'dedução' aquilo que a ciência não responde, pois o universo é muito mais do que aquilo que vemos.

Quarto: quanto a saber quando Jesus falou de evolução... bem, eu diria que em todas as passagens, mas partamos da sua mensagem maior "Ama o próximo como a ti mesmo". Nesse ponto o Cristo quebra o paradigma do "olho por olho" e diz que não devemos apenas "não fazer mal", mas que devemos evoluir e "fazer o bem". 'Não fazer o mal' e 'fazer o bem', são coisas bem distintas. Jesus falava por parábolas para que sua mensagem pudesse ser entendida em todos os tempos e porque sabia que, naquela época, que nem todos compreenderiam sua mensagem. Uma de suas frases que dá mais uma ideia da questão da evolução, para teres ideia é "Nem só de pão vive o homem", ou seja, não basta alimentar o corpo (se focar nas coisas materiais), é necessário alimentar o espírito também (adquirir cultura, conhecimento). Meu amigo, sugiro que, mais do que ler a bíblia, estude-a, em seu contexto histórico, além de ler mais de Sócrates e Platão, de onde está a maior bagagem cristã, além de outros filósofos... Nossa vida é uma dualidade de três coisas: Corpo e mente trabalham para compreendermos filosofia, religião e ciência; e essas três coisas não podem ser desassociadas.

Quinto: quanto ao debate sobre o fanatismo ateu, é perigoso você acusar de imoral aquilo que a muitos pessoas tem como modelo mais perfeito de moralidade, não só o Cristo, mas qualquer outro líder religioso. Não é apenas um pensamento crítico, pois não foi fundamentado e é necessário. Portanto, peço que diga onde, nesses conceitos, está a imoralidade do Cristo para qualquer modelo de sociedade, moderna ou antiga (o conceito de pecado, redenção, responsabilidade, o amor compulsivo, livre arbítrio unilateral.) e onde o Cristo cometeu este deslize? Para uma crítica à sua postura são necessários fundamentos, senão, tornam-se apenas argumentos vazios.

Meu caro amigo Vinício, espero que mais do que simplesmente cavar por argumentos a fim de refutar a mim e ao Derek, reflita profundamente sobre cada vírgula. Não quero converter ninguém a nada, mas algumas coisas são mais simples do que parecem.

Forte Abraço.

Vamos a resposta:
1º Acho que me empolguei e já respondi essa no texto do Derek.

2º Peço desculpas por me utilizar desse rótulo tão difamado nos dias de hoje. Eu continuarei o usando no entanto tão somente no sentido de "aquele que crê". Eu admito que não me ocorre outra nomenclatura e eu facilmente abriria mão dela caso eu econtrasse (ou me fosse sugerida) uma tão facilmente reconhecida que denotasse apenas o sentido original.

3º Eu devo confessar que me sinto decepcionado. Eu esperava mais do que "dedução" e abandono de ferramentas tão essenciais como tecnismos, medições ou números. Eu concordo que o univeros é muito mais do que aquilo que vemos. Mas como uma velha máxima esclarece: Só porque algo não tem uma explicação natural não quer dizer que tenha uma sobrenatural.

4º Por questão de espaço eu pretendo debater a mensagem de Jesus em um post a parte, mas muito em breve. Eu também tenho que confessar que me senti um pouco ofendido com a sua idéia de que eu não leio Platão e Sócrates o suficiente. Eu já escrevi um texto sobre Sócrates e Jesus, traçando a comparação de que ambos falharam em deixar textos de suas próprias mãos e existindo apenas através de relatos secundários. Porém eu diria ainda que Platão (principalmente levando em consideração o fim do relato sobre Sócrates) é leitura obrigatória para qualquer ateu.

5ºAh, aqui eu não poderia concordar e discordar mais de você ao mesmo tempo mas, felizmente para a minha sanidade, são em pontos diferentes. Como eu argumentei antes eu não cheguei a apresentar os argumentos para essas colocações e eu agradeço por você finalmente levar em consideração esse ponto antes de classificar essas idéias. Apesar de ao não apresentá-las eu estar me utilizando do mesmo pré-conceito (tão comumente estendido a figura de Jesus) de que determinados argumentos são bons porque alguém diz que eles são sem a necessidade de expô-los. De qualquer forma eu pretendo expô-los em um post muito em breve.

Quanto a ser perigoso eu "acusar de imoral aquilo que a muitos pessoas tem como modelo mais perfeito de moralidade, não só o Cristo, mas qualquer outro líder religioso" eu tenho que perguntar como isso pode ser perigoso? A própria noção de que questionar algo amplamente aceito é perigoso denota o quão frágil e potencialmente não verdadeiro aquele ideal é. A descrição "modelo mais perfeito de moralidade" pode ser aplicada, sem alterações à visão do povo japonês sobre o Imperador durante a 2º Guerra Mundial. E similar a cristo ele não era apenas "o mais perfeito modelo moral" ele também era divino. Se a sua orientação fosse seguida ele jamais teria sido obrigado pelas forças aliadas a anunciar pelo rádio (depois da rendição do Japão) que ele na verdade não era um deus. O que essa perigosa idéia de desafiar o modelo mais perfeito de moralidade (concretizada nesse caso) causou ao Japão? Fez eles abandonarem uma subserviência e inquestionabilidade prejudicias e se tornar uma das nações mais desenvolvidas do mundo.

Infelizmente eu me vejo obrigado a discordar da última afirmação, ainda que eu entenda que ela é composta por boas intenções.

Primeiro eu devo dizer que acredito que você não esteja tentando converter ninguém e espero que você acredite que eu também não quero "des-converter" ninguém.

Agora eu não esperaria que você me encorajasse a fazer "mais do que simplesmente cavar por argumentos a fim de refutar a você e ao Derek". Justamente por não buscar nada além de um debate entre ideologias diferentes eu não pretendo fazer absolutamente nada mais do que apresentar argumentos e ter uma boa e saudável discussão com meus amigos. Insinuar, ainda que sutilmente, que há algo místico por trás de um dos lados dispostos nesse embate é se utilizar da mesma curtina infeliz que a religião sempre se cobriu.

Um grande abraço.

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