Eu sempre gostei muito de westerns. O pistoleiro solitário e anti-herói foi sempre o meu tipo de herói, mesmo que mais tarde ele tenha sido incorporado pela selva de asfalto e se tornado o arquétipo do policial justiceiro e implacável, foi aqui que tudo começou. Porém aos poucos eu fui aprendendo que o tipo de western que eu realmente gostava é o "revisionista". Como muito bem descreve a Wikipedia:
"Alguns westerns pós-Segunda Guerra Mundial começaram a questionar os ideais e o estilo dos westerns tradicionais. Os elementos incluem um tom mais escuro, mais cínico, com foco na ilegalidade do período, favorecendo o realismo sobre romantismo. Anti-heróis são comuns, como são os papéis mais fortes para as mulheres e retrato mais simpático dos nativos americanos e mexicanos. Em relação ao poder e autoridade, essas representações favorecem a visão crítica de grandes empresas, o governo americano, figuras masculinas (incluindo os militares e suas políticas), e favorecem uma maior autenticidade histórica."
Então, quando eu acabava eventualmente vendo alguma cena de um western mais antigo, principalmente os de John Wayne, em que se matava índios indiscriminadamente e sem maiores justificativas ou consequências eu sentia que havia um certo constrangimento inerente a apoiar esse tipo de filme e isso significou que por muito tempo eu passei a oportunida de assisitir esses westerns em que os índios eram os vilões.
Dito isso eu acabei redescobrindo Rastros de Ódio não apenas no livro "1001 Filmes..." ele também é extensamente citado na internet como um dos melhores westerns de todos os tempos. O diretor John Ford é bem famoso e John Wayne tem a fama de ser uma presença marcante na tela, ainda que exista uma eterna discussão sob as suas qualidades de ator. Bom, e lá fui eu assistir a Rastros de Ódio. Eu posso honestamente dizer que fiquei impressionado. Eu esperava um filme longo e cheio de cowboys onde os índios são os vilões puro e simples. Bom eu estava certo sobre a parte do longo e dos índios. Mas eu não esperava um filme que tem o preconceito racial cravado no seu cerne. Um filme que tem a coragem de pegar John Wayne, famoso por seus papéis de mocinhos sem profundidade e coloca-lo na pele de um irascível racista que atravessa o oeste em uma busca incansável.
A história não poderia ser mais simples: Ethan, um veterano da guerra civil volta a casa de seu irmão e acaba sendo recrutado para caçar índios, quando retorna a casa descobre que os índios mataram todos os seus parentes e sequestraram sua pequena sobrinha. Ao lado de Marty, um meio-índio filho adotivo de seu irmão, ele parte em uma missão de resgate que dura vários anos.
Como eu disse a história é simples, os índios são os vilões e poderia se pensar que se trata de apenas mais um western desse tipo, mas longe disso. As diversas camadas do filme vão se apresentando detalhadamente com o desenrolar da trama: a paixão de Ethan pela cunhada, a sua determinação não em salvar a sobrinha mas em assassiná-la já que ela foi maculada pelo seu contato com os índios, a noção de que os brancos são capazes de atos muito mais selvagens que os índios.
Há diversas qualidades no filme mas as duas que mais me chamaram a atenção é a capacidade do filme, mesmo dentro de um gênero tão bruto como este, ser sutil ao extremo. Por exemplo, a paixão de Ethan pela sua cunhada, apesar de ser uma das principais razões por trás do personagem de Wayne, nunca é declarada e apenas sugerida através de breves gestos e olhares. É raro vermos esse tipo de sutileza mesmo nos mais açucarados dramas e eu não esperava encontrá-la em um western da década de 50.
Há uma tensão crescente no filme e não é possível determinar quem é mais psicótica ameaça da história: os índios ou Ethan. Há vários momentos memoráveis no filme, mas um em particular em que eu fiquei impressionado. É uma cena na qual Ethan visita um abrigo do exército examinando sobreviventes brancas sequestradas pelos Comanches, uma delas se mostra completamente louca e deixa Marty (e o espectador) comovidos, isso até que Ethan antes de se retirar da sala olha para ela e lança o olhar mais amedrontador que eu já vi em um filme. Eu fiquei tão impressionado com esse close que não fiquei surpreso ao descobrir que no IMDB há um tópico inteiro discutindo exatamente essa cena.
Eu posso dizer, sem medo de errar, que Rastros de Ódio é um dos filmes que eu não assistiria se não fosse pela sua inclusão na lista dos 1001 filmes e agora que o assisti eu lembrarei dele sempre como um exemplo de clássico e filme excepcional.
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