Aqueles que acompanham o blog sabem que eu estou em uma instigante discussão com meus bons amigos Derek Scheifler Moreira (agnóstico) e João Colombo (teísta) sobre religião. Em um dos meus úlitmos posts eu afirmei que os ensinamentos de Jesus eram não somente amorais, como também imorais. Afirmei que trataria do assunto em um post subsequente e este é o post. Porém antes de irmos ao nosso tópico, cabem alguns esclarecimentos sobre Jesus e religião.
Os argumentos contra o Cristianismo são numerosos e inegáveis. Mas, como o João Colombo gosta de me lembrar, se aplicam apenas a Instituição Religiosa da Igreja Católica. Sendo assim a mensagem original (Jesus Cristo) seria completamente inocente das barbaridades perpetradas em seu nome nos séculos que se sucederam.
Nesse eixo teísta-ateísta em que depositamos nossa discussão há algumas posições nas quais classificar a posição de cada um para com os ensinamentos e a figura de Jesus Cristo.
1º A pessoa acredita que Jesus é o filho de Deus e portanto que tudo o que ele diz é correto e verdadeiro.
2º A pessoa é agnóstica em relação à divindade de Jesus, mas acredita que independente disso sua mensagem é positiva.
3º A pessoa é agnóstica em relação à divindade de Jesus e julga o que ele diz pelo próprios méritos dos seus argumentos.
4ºA pessoa não acredita que Jesus é o filho de Deus e julga o que ele diz pelos próprios méritos dos seus argumentos.
5º A pessoa não acredita na divindade de Jesus, e portanto acredita que seus argumentos estão errados.
Eu acredito que a 1º e 5º opções estão igualmente equivocadas. Não se pode concluir que os ensinamentos de Cristo são simplesmente errados ou certos baseados em sua divindade. E eu acredito que todos os que discutem comigo concordam com essa postura.
Mas um detelhe interessante a se considerar aqui é quantas pessoas você conhece que pensam como a 1º opção e quantas pensam como a 5º opção?
Eu posso honestamente dizer que eu conheço absolutamente ninguém que pensa como a última e que a maioria das pessoas que eu conheço pensa como a primeira.
Porém na 2º opção é onde reside o mistério: porque tantas pessoas não sabem mais do que um ou dois ensinamentos de Jesus e são tão ávidos em dizer que sua mensagem é universal e inegavelmente positiva?
Primeiro, Jesus tem uma campanha de Marketing que deixaria a Coca-Cola com inveja. Eu mesmo, me questionei, quando o meu atéismo enveredou para a validade dos argumentos de Cristo, de onde vinha a impressão positiva que eu tinha dele, mesmo sem lembrar de uma parábola do suposto filho de Deus. Quando eu era pequeno eu assistia a Desenhos Bíblicos no SBT. Eu fiz catequese e o primeiro ano da Crisma e não aprendi absolutamente nada sobre a Bíblia ou Jesus, mas sempre que eu me pegava considerando os ensinamentos de Cristo eu pensava naquele desenho. Obviamente o bordão jesuítico "me entregue a criança antes dos 10 anos e eu te entregarei o homem" tem seu sentido.
Mais tarde Mel Gibson me encantou com "A Paixão de Cristo". Eu lembro de o filme ter causado um profundo impacto em mim. Eu assisti o filme duas vezes, uma com o Derek e me lembro de eu o ter repreendido por rir das pessoas que choravam na saída do filme. Eu disse a ele que deveriamos respeitar aquelas pessoas. O que eu estava querendo dizer é que deveriamos respeitar a crença delas e isso é algo que eu não acredito mais. Hoje eu consigo identificar o que me abalou na história de Mel Gibson sobre os momentos finais de Cristo. A violência e o sofrimento causados são elementos suprimidos da história (ainda que sejam a moral da mesma) quando ela é repassada às crianças. Todo nós aprendemos ainda jovens que Jesus morreu pelos nossos pecados mas nenhum pai adiciona uma violência tão gráfica a uma história que nos é tão familiar.
Obviamente os méritos da produção de Mel Gibson não atribuem ou definem qualquer valor a história original mas atestam o quanto ela nos é entregue de forma pessoal e nos é familiar e imediatamente reconhecível. A identificação com a foto acima (de Jesus com um carneirinho) não é algo imediato?
O meu ponto aqui é que entre os Desenhos Bíblicos quando eu era jovem e A Paixão de Cristo já adulto o marketing de Jesus é forte e (uma das poucas vezes na qual podemos atribuir essa palavra a religião de forma realista) onipresente.
Antes de eu enveredar pelo caminho da 3º e 4º opções que é onde reside a minha convicção eu devo salientar uma pequena circunstância sobre essas posições:
Infelizmente não espaço para uma posição do tipo: "6º A pessoa não acredita que Jesus é o filho de Deus e mesmo assim que tudo o que ele diz é correto e verdadeiro."
Há uma lógica (ainda que eu discorde dela) em dizer que Jesus está certo em tudo porque ele é o filho de Deus. Quando tentamos analisar o que ele diz tentando não atribuir a ele qualquer divindade a possibilidade de lhe atribuir qualquer mérito se torna quase impossível.
C. S. Lewis definiu muito bem a possibilidade de que Jesus tivesse sido um grande líder moral sem ser divino: "
Essa é a única coisa que nós não devemos dizer. Um homem que era apenas um homem e dissesse o tipo de coisas que Jesus disse não seria um grande professor moral. Ele seria ou um lunático, no mesmo nível que o homem que diz que é um ovo cozido ou então ele seria o Diabo do Inferno. Você deve fazer sua escolha. Ou este homem era, e é, o Filho de Deus, ou então um louco e coisa pior. Você pode tê-lo por um tolo, pode cuspir Nele e matá-Lo como um demônio, ou você pode cair a Seus pés e chamá-lo Senhor e Deus. Mas não vamos vir com algum disparate sobre ele ser um grande mestre humano. Ele não deixou essa possibilidade aberta para nós. Ele não teve esta intenção."
Mesmo concordando com Lewis (e essa seria uma rara ocasião já que ele é o maior dos defensores do Cristianismo do século 20) eu ainda me vejo compelido a ir adiante com a minha proposta e demonstrar
que vários dos ensinamentos de Cristo eram imorais. Mas obviamente eu admito que nem todos eram imorais, alguns deles eram válidos, ainda que impraticáveis em uma sociedade justa e moderna e outros simplesmente derivativos ou irrelevantes e só receberam alguma atenção já que teriam vindo de uma fonte divina e alguns de fato bons conselhos.
Mas finalmente vamos aos ensinamentos de Cristo que eu acho são imorais e/ou denotam uma hipocrisia tremenda:
Em Lucas 22:36 Jesus diz a seus discípulos para comprarem espadas. Nada contra a ação em si, mas isso soa estranho para o maior pacifista de todos os tempos. No contexto da frase ela obviamente tem em mente apenas auto-defesa, mas o que aconteceu com "dê a outra face"?
Em Apocalipse 2:22 Jesus deixa claro sua raiva contra a profetisa Jezabel: "Eis que a porei numa cama, e sobre os que adulteram com ela virá grande tribulação, se não se arrependerem das suas obras. E ferirei de morte a seus filhos, e todas as igrejas saberão que eu sou aquele que sonda os rins e os corações". Toda essa Ira vinda justamente do Princípe da Paz?
Em Mateus 10:34 Jesus passa uma mensagem um tanto quanto distoante de seus outros ensinamentos mais pacíficos: "Não cuideis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer paz, mas espada."
Em João 2:15 se dá a famosa passagem na qual Jesus vendo comerciantes no templo expulsa os animais e os homens a chicotadas, derruba as mesas e as moedas dos comerciantes: "E tendo feito um azorrague de cordéis, lançou todos fora do templo, também os bois e ovelhas; e espalhou o dinheiro dos cambiadores, e derrubou as mesas."
Em Mateus 8:32 Jesus, ao expulsar demônios de dois homens os "transfere" para uma manada de porcos, que em seguida se atira de um penhasco em um lago abaixo e morre afogada.
Ainda que eu saiba que várias religiões odeiam porcos, isso me parece um tanto quanto cruel.
Em Mateus 15:22 ocorre a passagem que eu acho mais revoltante desse suposto "mais perfeito exemplo de moral". Jesus inicialmente se recusa a expulsar um demônio da filha de uma mulher cananéia, chamando a mulher de "cachorro". Depois de muito pedir, ele finalmente concorda em expulsar o demônio.
Em Lucas 14:26 Jesus diz: "Se alguém vier a mim, e não aborrecer a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs, e ainda também a sua própria vida, não pode ser meu discípulo."
Em Mateus 12:30 Jesus diz a famosa frase "Ou você está comigo ou contra mim". Bom, nosso grande filósofo Obi-Wan Kenobi teria algo a dizer sobre isso:
Se você fizer algo pecaminoso com a sua mão/olho, corte o fora. (Mateus 5:29-30, contexto sexual).
Casar com uma mulher divorciada é adultério. (Mateus 5:32)
Não faça planos para o futuro. (Mateus 6:34)
Não junte dinheiro. (Mateus 6:19-20)
Não se torne rico (na terra), no céu tudo bem... (Mateus 10:21-25)
Venda tudo e dôe aos pobres. (Lucas 12:33)
Não trabalhe para obter comida. (João 6:27)
Não tenha desejos sexuais. (Mateus 5:28)
Se alguém roubar de você não tente reaver o que foi roubado. (Luke 6:30)
Se alguém te der um soco convide-o a fazer novamente. (Mateus 5:39)
Se você perder um processo dê mais do que foi determinado. (Mateus 5:40)
Eu até entendo a beleza de alguns dos ensinamentos acima, mas convenhamos eles não são apenas impraticáveis são também contrários a nossa própria natureza e instinto de preservação.
Umas das provas do quanto Jesus é hipócrita é a passagem na qual ele diz que caso alguém chame outra pessoa de "tolo" essa pessoa poderá ir para o Inferno (Mateus 5:22) e mesmo assim ele chama outras pessoas de "tolo" (Mateus 23:17).
Nenhum personagem da Bíblia aterroriza tanto outras pessoas com a certeza do Inferno como Jesus. Há ainda o agravante de várias vezes Jesus deixar claro que o Inferno com todos os seus sofrimentos está reservado para aqueles que não acreditarem no que ele fala, ou não escolherem ele como salvador.
Muitas pessoas afirmam que apesar de O Velho Testamento apresentar uma sucessão de genocídios ordenados por um Deus infantil, ciumento e irado, o Novo Testamento, através da figura de Jesus Cristo, seria a grande redenção do Cristianismo. Bom, infelizmente Jesus já no começo do Novo Testamento demonstra seu compromisso com a ideologia do Velho Testamento ao não apenas reforçar os 10 mandamentos mas ainda "aprimorá-los".
Jesus relembra o mandamento de "não cometerás adultério" porém complementa: "Eu, porém, vos digo, que qualquer que atentar numa mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela."
Além dessas passagens específicas, que eu não chamaria necessáriamente de imorais, apenas problemáticas, há doutrinas centrais que Jesus defendeu que eu realmente considero imorais:
Amor compulsório: Segundo os ensianamentos de Jesus você DEVE amar ao próximo, você DEVE amar o seu vizinho, você DEVE amar os seus inimigos. Instintivamente essa condição é impossível para nós. Nós não somos capazes de amar indiscriminadamente e dizer que a única alternativa para esse dever é queimar eternamente no fogo do inferno é completamente imoral e esse tipo de ensinamento não deve ser passado as nossas crianças.
Livre Arbítrio Unilateral: Nós temos a ilusão de livre arbítrio no caso apresentado por Jesus. Nós até podemos escolher não segui-lo mas então qual a opção que nos resta? Fogo eterno! Ele não diz: " me siga por causa dos meus argumentos" ou "me siga por que eu sou a melhor opção". Ele diz me siga e me aceite incondicionalmente ou você será eternamente amaldiçoado.
Pecado Original: Mesmo não estando presentes quando o fruto proibido foi comido ou quando Jesus foi crucificado (os dois grandes pecados da humanidade), e independente de nossas reações a eles nós carregamos essa culpa conosco desde o nascimento. E temos de nos arrepender disso. Não temos em nenhum momento a opção de não ter pecado. Não, essa é uma caracteristica exclusivamente divina. Não importa quem você seja ou o que você faça, você tem que se arrepender desses pecados que você nem ao menos cometeu.
Perdão a Terceiros: Jesus redimiu os pecados de todos os seres-humanos, anteriores a ele e posteriores a ele. Isso significa que ele perdoou todas as ofensas que cometemos contra ele e Deus (ele mesmo). Até aí tudo bem e significativamente nobre. Mas ele perdoou também as ofensas cometidas contra outras pessoas. Se alguém te ofendeu, cometeu um crime contra você, independentemente da gravidade do assunto e independete do que você acha da situação Jesus perdoou essa pessoa. Esse conceito de perdoar uma terceira parte, quando a questão nem ao menos envolve você é imensamente presunçosa e nem um pouco humilde, como sempre ouvimos que Jesus era.
Redenção e responsabilidade: O pior dos ensinamentos de Cristo é que podemos pegar toda a nossa culpa e jogarmos em cima de outra pessoa por que um ritual de sacrifício humano foi realizado. Não há uma alegoria que seja mais bárbara e imoral do que essa e no entanto ela é mundialmente aceita e celebrada. Jesus corrompe o nosso próprio senso de moralidade e nós nos negamos a observar isso porque simplesmente nos acostumamos com a estória.
Crime de Pensamento: Como bem exemplificado nas passagens acima Jesus reconhece o direito de Deus de te julgar e punir (ainda que ele pregue que um cristão não deva julgar os outros, embora ele faça isso a todo momento) baseado no seu pensamento. Isso é a classificação de um estado totalitário e injusto.
Recompensa: Jesus nunca diz: faça o bem simplesmente por fazer, faça o bem simplesmente para deitar a cabeça no travesseiro com a consciência tranquila. Ele promete riquezas no pós-vida. Agora me parece que não é um objetivo muito nobre quando você quer ser bom pensando apenas na recompensa (póstuma ou não) que você ira ter. E é justamente aqui que toda a mensagem positiva de Jesus afunda. Seus grandes ensinamentos como fazer caridade sem a necessidade de se exibir para os outros, se mostram simplesmente articulações de um sistema diferente de lucro. Você investe agora e é recompensado no pós-vida. A lógica da situação pode ser posta a prova, mas fazer o bem aqui para ganhar dinheiro ali não é nem um pouco nobre. E só para constar quanto aqueles que possam argumentar que Jesus falava de riquezas espirituais ele sempre deixava transparecer que as riquezas espirituais deveriam ser buscadas aqui na Terra e as riquezas mais mundanas no Reino dos Céus.
Infelizmente na conclusão desse longo texto (e eu agradeço profundamente os que se dispuseram a ler até aqui) eu sou obrigado a admitir que isso tudo é desnecessário se observarmos o que é óbvio nessa situação. Os ensinamentos de Jesus, e a Bíblia como um todo, não passam de invenção, folclore e bravata religiosa. Eu só consigo apontar essas inconsistências e erros porque os livros que formam a Bíblia são o fruto de diversos autores, ao longo de séculos e escritos centenas de anos após os eventos que supostamente relatam. Não há nada de divino na Bíblia e pelo que eu acredito ter demonstrado há diversas mensagens que podem ser consideradas imorais. Porém se as inconsistências apontadas na Bíblia fossem retiradas, como ocorrem ainda hoje pois nessa minha pesquisa eu consultei diversas traduções e as mais novas assumem uma linguagem cada vez mais diferente e amenizadora dos absurdos escritos e cada vez mais longe do texto original, ainda sim estariamos com um livro que de mentiras e absurdos que sabemos não serem possíveis.
Se nós nos atermos ao aspecto da Bíblia que demonstra sua divindade estamos lidando com um Deus amoral e francamente intolerante, um Jesus com uma mensagem duvidosa e com aquilo que sabemos ser completamente impossível de acontecer. Do momento em que nascemos até o momento em que morremos todas as provas, todos os dias, apontam para que o que está escrito na Bíblia ser completamente impossível de acontecer e mesmo assim as pessoas acreditam baseadas no testemunho de um livro que foi escrito por pessoas que ouviram de outras pessoas que ouviram essas histórias ao redor de fogueiras no Oriente Médio durante centenas de anos. Se considerarmos apenas os ensinamentos morais da Bíblia e deixarmos de lado a parte fantástica da história podemos ver diversos valores na mensagem de Cristo, mas de forma alguma a mensagem dele está acima de críticas. Vários dos ensinamentos dele não nos servem hoje, vários dos ensinamentos dele não devem ser seguidos ou ensinados a nossos filhos e isso
não é um atestado de que somos impuros e precisamos de absolvição ou que precisamos melhorar para chegar ao nível impossível exigido por Jesus. Pelo contrário, nossa inobservância de vários dos seus mandamentos deve ser interpretada como um sinal de nossa evolução moral e nosso compromisso para com valores reais.