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terça-feira, 5 de junho de 2012

Preces e Resoluções


“Senhor Deus, por favor ajude-me. Por favor, eu imploro. Ajude um pobre pecador como eu. Por favor me dê forças para enfrentar essa prova tão dolorosa e pesada que se coloca diante de mim nesse momento.”
Eu me encontro em um dos momentos que levam as pessoas a pronunciar esse tipo de frase e ainda sim escrevê-la exige um esforço criativo legítimo para que eu possa sequer considerar quais as palavras preencheriam esse tipo de mensagem.
Eu não gostaria de me encontrar em uma situação desesperadora, porém esse tipo de acontecimento me fornece uma visão particular desses momentos e um contato mais próximo com a motivação de pessoas nessas condições.
A minha falta de motivação para que eu não acredite nesse tipo de prece/súplica não vem de um mal direcionado sentimento de orgulho, ainda que eu acredite que esse tipo de mensagem necessite de desnecessária identificação do solicitante como alguém simplório, errado e arrependido, porém a minha indisposição para esse tipo de solicitação desesperada é a simples falta de propósito para isso.
Não haverá uma intervenção divina para mim ou para quem eu proponho, e isso independe da maneira como eu levei a minha vida ou como ele tenha levado a dele, e em algum lugar do mundo alguém que tenha vivido seguindo fielmente todas as arbitrárias e ilógicas (e muitas vezes cruéis) regras da religião poderia fazer as mesmas súplicas e mesmo assim não receberia qualquer tipo de intervenção sobrenatural.
Qualquer tipo de mudança inesperada na ordem natural é fruto da mera chance estatística de isso acontecer de qualquer outra maneira. Vez após vez percebemos o que é estatisticamente improvável como sendo sobrenatural. O que nos leva a imaginar se não temos como alterar as chances do que seria improvável de acontecer a nosso favor. E qual a única coisa que podemos fazer? Qual a única coisa que podemos fazer para transformar algo intangível e improvável em algo concreto e certeiro? Desejar. Desejar que isso se torne realidade. Mas talvez desejar seja algo muito simples. Nós estamos acostumados a desejar diversas coisas simples durante o dia e nenhuma delas acontece. Talvez a resposta seja um pouco mais além. Talvez não seja apenas desejar que seja verdade, talvez nós devêssemos dar o benefício da dúvida ao destino e acreditar que isso irá de fato se tornar realidade. Talvez a resposta seja acreditar em algo como se fosse verdade antes mesmo de sabermos se isso é verdade. Isso é a fé.
Mas ainda sim isso não concretiza o desejo. Talvez por que estejamos acreditando de antemão em algo simples de se acreditar. Talvez nossa fé pudesse ser melhor demonstrada se acreditarmos em algo mais improvável. Talvez se acreditarmos em mitos que desafiam tudo aquilo que presenciamos e verificamos desde o nosso nascimento... Talvez então nossa fé seja o suficiente para que possamos mudar as probabilidades o suficiente para que um evento extremamente improvável ocorra em nosso favor.
No fundo trocamos a possibilidade de um favor extremamente improvável (a vida de um filho, a cura de um pai, a vida eterna) pela crença inquestionável em algo absurdo.
Coincidentemente, o método utilizado acaba tornando a realização do favor inverificável, e a crença absurda em algo que pode ser facilmente monetizado.
Uma das características de um golpe é que ele funciona melhor quando a vitima esta mais fragilizada e nunca em minha vida eu fui tão procurado por religiosos tentando me converter quanto nesse momento.
Peço desculpas aos leitores mas depois de considerar alguns minutos percebi que não há outra maneira de explicar a minha situação a não ser descrevê-la diretamente.
Meu pai está internado em estado grave na UTI do Hospital Dom João Becker de Gravataí  há alguns dias e no último domingo ele foi desenganado.
Ele é o que eu definiria como ateu não-praticante, ele não acredita em Deus mas procura não interferir com a crença de ninguém. Escrevendo isso percebo que jamais sofri qualquer tipo de influência dele em relação a religião. Quando minha mãe insistia que eu fosse a missa ou a catequese ele jamais proferiu uma palavra de incentivo ou de reprovação e a própria revelação de que ele era ateu só foi feita para mim muitos anos depois que eu mesmo já havia me definido como tal para toda a família.
Quando eu vejo ele no leito da UTI e trocamos olhares temos um entendimento, talvez único em nossa família, de que nossa história acabará lamentavelmente ali. Não há promessas de continuações, ou ilusões de nuvens e harpas, há apenas a importância do que foi feito e construído até aquele momento. Estamos comprometidos com nossa consistência e esse é o legado de nossa relação, pelo menos no que diz respeito a nossa escolha religiosa. 

Um comentário:

  1. Em primeiro lugar queria dizer que sinto muito pela situação do teu pai. Tentei te ligar para conversar melhor mas não consegui. Como angóstico gostaria de ver um milagre em relação a ele, o que acabaria certamente com algumas dúvidas. Tive a grande oportunidade de conhecer e até mesmo interagir com ele em alguns de nossos encontros, e nunca escondi a admiração que tenho por ele.
    No final das contas talvez seja esse o maior sentimento que podemos ter por alguém, e acho que nem mesmo o amor é tão forte e sincero quanto a admiração.

    Interessante perceber que eu, que sempre preguei (trocadilho não intencional) que o ateísmo apenas tirava coisas dos individuos em troca de uma verdade fria e até mesmo desesperadora, pude perceber pela primeira vez algo positivo nele: não deixar para o possivel pós vida para tratarmos de nossos problemas com as pessoas, ou mesmo de aproveitar nosso tempo com elas. A religão e a vida pós-morte trazem o arbitrário conforto do "terei a eternidade para fazer isso".
    Achei muito bom o texto, um relato honesto e uma visão muito prática o assunto. Talvez o caminho para você (e os demais ateístas) de divulgar a sua "doutrina" seria justamente esse: enfocar em seus aspectos positivos, e não apenas se limitar a prática do que penso como sendo "sindorme do partido de oposição", cujo único plano é falar mal da situação, neste caso, a religião.

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