quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
Perdi... acima de tudo, você.
Eu estou velho. O engraçado a respeito disso é que quando começo a me acostumar com a idade avançada eu já estou passando outra ponte ainda mais distante. Isso aconteceu aos 40 e aos 50. Agora aos 64 eu estou começando a perceber que quando fizer as pazes com essa idade estarei entrando na minha jornada final. A essa altura da vida todas as lembranças começam a se mesclar e você acaba tendo apenas a lembrança das diferentes versões que contou sobre si mesmo ao longo dos anos. A ideia de que um dia você não teve cicatrizes me parece tão absurda e distante que seria impossível convencer mesmo aqueles que me conheceram em uma época distante que houve um período em que eu flertava com as mágoas, pois achava que seria interessante tê-las. Hoje todos aqueles rostos femininos se mesclaram em uma névoa e as cicatrizes deixadas se acumularam até formar uma couraça resistente onde nenhuma novidade penetra. Uma vez me perguntaram porque eu casei com minha ex-esposa. Eu respondi: "Eu sabia que nos amávamos, porém eu também sabia que um dia magoaríamos muito um ao outro. Se ela fosse minha ex-mulher ninguém me perguntaria o porque de eu odiar ela dali para frente. Sem menções ao nome dela, sem lembranças indesejadas, eu me permitiria afasta-la plenamente."
Se você me perguntar eu não conheço nenhuma razão melhor para casar.
Porém com os anos os outros rostos vão sumindo e o mundo vai ficando mais silencioso. Fica mais fácil avaliar as coisas realmente importantes para nós. Você se torna uma memória viva e consegue perceber quais das memórias que vivem com você ainda respiram.
A minha vida nunca foi para os fracos de coração, mas eu tratei de enfraquecer o meu ao longo do caminho. Eu sempre joguei como se não tivesse nada a perder e perdi as coisas mais importantes pelo percurso.
Eu tenho várias dores no meu corpo e dou as boas-vindas a todas elas enquanto elas me impeçam de pensar no meu passado. Quando elas se vão a bebida é a única amiga presente para me fazer esquecer.
Enquanto se vai envelhecendo você faz a si mesmo a promessa que voltará aos erros do passado e vai consertar o que fez de errado ou tentar uma nova luta contra as injustiças cometidas com o seu coração. Ao chegar a minha idade você luta duas batalhas. A primeira é ser honesto com você mesmo e admitir que perdeu as suas chances. Ninguém pode lhe dizer isso de forma mais cruel do que você mesmo. Você não pode imaginar a dor da derrota quando você finalmente desiste de você. Sessenta anos jogados fora. Uma vida jogada fora. A segunda batalha é fazer você esquecer de tudo isso, quando só o que lhe resta na vida é lembrar. A única chance de escapar disso tudo é a oferta tentadora de reclinar para trás e esperar a morte chegar.
Isso seria não apenas reconfortante, seria merecido e confortável. Porém há uma única coisa, um único espinho que não para de incomodar enquanto você tenta deixar para trás as lembranças dolorosas. Trazido pela clareza da senilidade e pela precisão do desespero aquele maldito rosto não deixa de se materializar na sua mente. Ela é a única perda da sua vida que você não consegue se livrar admitindo que perdeu.
O que restou do meu coração? Alguma coisa relevante nele para ela se importar? Centenas de coisas no meu coração, verdades profundas que jovens sonhariam saber ou compreender na sua tenra idade são observações banais para mim agora. Porém ninguém está interessado nas verdade do meu coração agora e quando alguém se mostrou interessado eu fiz questão de não compartilha-las.
O beijo caridoso da mulher que eu sempre amei está longe demais agora. Eu sempre achei que a essa altura da vida, caso eu não tivesse conseguido tudo o que eu queria eu certamente teria alguém para culpar. Eu jamais esperava que essa pessoa fosse eu mesmo. Ninguém arruinou o meu mundo a não ser eu mesmo.
Eu me lembro de uma vez que fomos ao mirante da cidade, depois de umas duas horas sentados conversando ela me perguntou o que eu imaginava quando olhava todas aquelas pessoas lá de cima. Eu respondi que se estourasse uma guerra que seria bom estar lá em cima e mesmo protegido estar preparado para tudo. Ela comentou que eu sempre falava sobre guerras e que ela estava pensando em qual das casas lá em baixo moraríamos. Eu gosto de lembrar que moramos por 20 anos na casa que ela apontou naquele dia. Mas eu sempre pensei no que eu queria ter dito aquele dia. Eu sempre desejei ter dito que estava preparado para brigar com qualquer pessoa por ela. E que eu jamais esperava perder para mim mesmo.
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